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Sacrifício


Estava se direcionando ao local que o resto da tribo havia indicado. Caminhava por entre as árvores enquanto ouvia as batidas dos tambores ao fundo.
Aos poucos deixará para trás a luminosidade das fogueiras e adentrava cada vez mais na escuridão enquanto seu coração fazia eco aos rugidos dos cânticos do seu povo ao fundo.
Havia sido escolhido pelo sacerdote como sacrifício, quando pensava nisto seu coração enregelava. Sentia vergonha por seu medo.
Devia estar honrado. Era o que seus pais lhe disseram.
Sabia que na verdade, estavam contentes por se verem livres dele. Sempre fora o franzino e desajustado e nunca seria um grande guerreiro. Sentia que não era amado, mas não pensou que o deixariam facilmente seguir para a morte assim.
Seus pés deixavam poucos rastros na trilha por onde seguia, sentia o suor escorrer nas suas costas. A parte em que estava nas floresta ficava cada vez mais sem vida, sem animais e com as árvores mortas.
Tudo na tribo estava morrendo na verdade. Não havia colheitas ou caças há muitas luas e desesperados foram até o sacerdote pedir auxílio.
Ele simplesmente disse: Sacrifiquem um jovem a Deusa Innana.
Acho que o correto seria um guerreiro, mas não queriam desperdiçar alguém que poderia ser de lucro num futuro próximo. Logo sobrou para mim, o pequeno e mirrado Laguz com seus míseros dezesseis invernos.
Chegou aonde seria a clareira com a pedra sacrificial. Não sabia o que fazer.
Só o mandaram ir e deitar na pedra, mas não o faria. Se um Deus qualquer fosse tomar sua vida que viesse pegá-la.
Se surpreendeu com a coragem repentina, era estranho se sentir inundado pelo calor ao mesmo tempo que seu corpo todo tremia de pavor ao notar o círculo de crânios humanos na base da pedra.
Resolveu implorar. Daria qualquer coisa a Deusa em troca de sua vida, talvez ele pudesse ser persuadida a solta-lo se oferecesse seus serviços como devoto ou sacerdote.
De repente, todos os sons cessaram.
Um vento gélido varreu o local como uma geada de inverno. Fechou os olhos. Não queria saber o que aconteceria.
Ouviu passos pesados como animal enorme, sentiu seu coração reverbar as batidas do que pareciam cascos no solo.
Um odor de putrefação que fez seu estomago revirar invadiu suas narinas. Queria vomitar mas engoliu seu impulso com medo de ofender.
Sentiu sua respiração sobre seu rosto. Não podia abrir os olhos. Não ia abrir!
Garras perfuraram seu peito enquanto um grito de dor e pavor dilacerava sua garganta.
Agora não sentia nada.
Viu seu corpo sem vida resvalar para o chão enquanto a criatura com face de crânio comia seu coração ainda quente.
Agora era uma assombração e via claramente o ser a sua frente. Alto com cascos de búfalo, parecia um guerreiro impressionante.
A criatura lambeu os dedos após se saborear com sua refeição. Depois recolheu o que pareceu ser um cajado de guizos no chão e o bateu apenas uma vez.
Sentiu sua alma enrijecer e quando deu por si estava seguindo a criatura. Agora entendia.
Seria seu escravo por toda a eternidade. Nem na morte houve libertação para sua sina. Sentiu-se levado por outros planos, não via aonde. Apenas sentia seu puxão.
Logo se deparou com um lugar terrível, milhares como ele estavam lá reunidos. Em seus rostos não havia medo, apenas um esgar de maldade e ódio profundos.
Aquelas criaturas haviam sido almas como ele e agora estavam perdidas, ele também estaria. Seu desespero era enorme lágrimas caiam de seus olhos etéreos. Sentiu então uma mão suave sobre seu ombro.
Uma jovem donzela estava a seu lado. Era linda e o abraçou e acolheu como um filho. Sentiu-se em segurança pela primeira vez em muito tempo. Talvez pela primeira vez na vida.
Quando as lágrimas cessaram e ergueu os olhos novamente, viu que todos a sua volta o observavam com faces sérias. A donzela então falou com uma voz de trovão.
--Sou Ereshkikal, a mãe dos mortos. Seu povo rezou a minha irmã e me ignorou durante milênios. Agora pedem a intervenção dela novamente e não a minha. Assim como você, todos estes irmãos que você vê a nossa volta. Fui rejeitada e excluída. Agora minha irmã se foi e todos irão pagar pelo que nos fizeram. Você irá se juntar de bom grado a seus irmãos na nossa caçada meu filho?
Olhou para seus olhos e viu apenas a escuridão. Trevas tão grandes quanto as que havia em seu coração e nunca tinha notado.
Viu o medo se transformar em dor. Lembrou de todo rancor e mágoa pelo que lhe fizeram e ódio por o subestimarem. Sim ele ajudaria a Deusa, seria seu melhor guerreiro e faria todos eles pagarem.
A tribo de Laguz não teria nenhum dia de paz enquanto ele não extinguisse todos.

E esse foi um conto de Josy Santos!
Me aventurando no mundo das letrinhas há cerca de dois anos, incentivada pela Dany Fernandez, minha companheira no blog "Barato Literário".
Publiquei os contos "Estrela" e "O Mago" na antologia "Etéreo- Contos Fantásticos" da Andross Editora e o conto "Sereia Negra" na antologia "Criaturas do Submundo" da Editora Wish.
Espero que gostem da leitura ou não e comentem e deixem sua opinião.
Abraços

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